Outubro 2025
A Amazônia brasileira tem sido tradicionalmente interpretada como um espaço de tensão entre desenvolvimento econômico e conservação ambiental. Contudo, a contemporaneidade impõe uma reformulação profunda dessa narrativa. A região deixa de ser apenas território de disputa para se tornar um laboratório vivo de inovação, no qual o empreendedorismo digital pode operar como vetor de transformação econômica, inclusão social e projeção internacional do Brasil em arenas de governança climática. Assim como a floresta é vista, no plano diplomático, como um ativo estratégico capaz de ampliar o soft power brasileiro, o ecossistema digital amazônico emerge como instrumento para reposicionar o país na economia verde global.
O desafio, porém, exige uma leitura complexa e adaptativa do território. A Amazônia não é um problema de gestão local nem uma abstração ambiental global: é um sistema adaptativo complexo, no qual políticas públicas e iniciativas privadas devem ser moldadas para criar condições que favoreçam comportamentos sustentáveis e inovadores. Inspirando-se na ciência da complexidade e nos frameworks propostos por Dave Snowden, via importante artigo escrito por Daiane Carolina Silva e João Paulo Cândia Veiga, é possível conceber o fomento ao empreendedorismo digital não como política isolada, mas como scaffolding institucional – uma infraestrutura flexível que equilibra estabilidade regulatória e espaço para experimentação.
É nesse contexto que surge a Fundação Amazônica, uma iniciativa voltada a transformar o potencial humano e criativo da região em força econômica e, eventualmente, diplomática. A Fundação atua como catalisadora de um novo ecossistema digital amazônico, conectando empreendedores, universidades, investidores e governo em redes de inovação distribuída. Seu propósito central é fomentar o empreendedorismo digital como instrumento de inclusão, sustentabilidade e soberania, criando as condições estruturais para que práticas inovadoras se tornem o caminho natural do desenvolvimento regional.
Ao apoiar startups, hubs tecnológicos e projetos de capacitação digital, a Fundação Amazônica contribui para converter conhecimento local em soluções tecnológicas de impacto global – de plataformas de rastreabilidade de cadeias produtivas à gestão inteligente de dados ambientais. Essas iniciativas conferem ao Brasil vantagem diplomática e reputacional, fortalecendo sua capacidade de influenciar narrativas e normas de sustentabilidade internacional.
A criação de redes de monitoramento distribuídas, que integram tecnologias emergentes e saberes tradicionais, também representa um modelo de governança digital coerente com o paradigma da complexidade. Startups apoiadas pela Fundação Amazônica podem explorar, por exemplo, aplicações em bioinformática, inteligência territorial e blockchain ambiental, traduzindo em prática o princípio de “mudar o ambiente para que comportamentos desejáveis possam emergir” (Snowden, 2022). A conectividade digital torna-se, assim, uma nova infraestrutura para geração de confiança e valor agregado à bioeconomia.
De forma complementar, a gestão de gradientes de energia – entendida aqui como a remoção de barreiras institucionais e econômicas que dificultam o fluxo de inovação – é parte central da estratégia da Fundação.
O empreendedorismo digital na Amazônia, portanto, pode ser compreendido como diplomacia por design de sistema. Ao estimular a criação de soluções tecnológicas localmente ancoradas, a Fundação Amazônica não apenas combate desigualdades regionais, mas demonstra a capacidade do Brasil de exercer liderança consciente da complexidade, convertendo vulnerabilidade ambiental em credibilidade institucional. Essa abordagem permite alinhar a estratégia doméstica de inovação e inclusão com a projeção internacional de sustentabilidade e governança climática.
Em última instância, fomentar o empreendedorismo digital na Amazônia – e institucionalizar esse esforço por meio da Fundação Amazônica – significa compreender que o século XXI não premiará quem domina resultados, mas quem domina as condições para que resultados emergentes se tornem possíveis. A floresta e a rede (a biologia e o código) são, juntas, a nova fronteira do desenvolvimento brasileiro.
Michael López Stewart é cientista político, advogado e conselheiro da Fundação Amazônica.